sexta-feira, 31 de outubro de 2008

A cerveja dele é sagrada
A vontade dele é a mais justa
A minha paixão é piada
Sua risada me assusta
Sua boca é um cadeado
E meu corpo é uma fogueira
Enquanto ele dorme pesado
Eu rolo sozinha na esteira

(Sem açúcar - Chico Buarque/1975)



Chico. Sempre ele. Ele sempre sabe o que eu quero dizer. E ele sempre diz.




Vocês trazem alegria para esta casa.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Sem cor ou forma

Não era Edgar Allan Poe, mas fez um retrato. Pintou o fauvismo e o expressionismo nos olhos que depois não reconheceria. Diluiu a tinta em manhãs de chuva, lavou os pincéis com o que ela chorou. O mundo é irreversível.

Um presente de grego invadiu minha casa. Fez-se perdido e eu, que gosto muito de Chico e de cantigas de roda, estendi-lhe a mão. E a roupa. Dei o riso e a paz que tinha. Ofereci o que mais precisasse; ele levou minha tranqüilidade. E eu esperei. Não sabia que faria minha dor de vermelho e minha saudade, amarelo. Não sabia que esperança perdida ficava azul. Dos meus sonhos, a mistura, algo entre o pôr-do-sol em setembro e o amanhecer de março. Dei-lhe minhas cores e letras. As últimas primeiro. Ele era um homem de palavras e precisava das minhas para construir uma escada. Eu o ajudei. Entreguei degraus com histórias que ele já não lia. Afinal quanto mais alta a escada, mas distante de mim e das minhas letras. Saí do meu mundo sem verbo. E me permiti o mundo novo que me era oferecido. E nem era.

Já que havia espaço de sobra em mim. Enchi-me de qualquer sobra que desse. Até não caber mais mágoa. Infelizmente o desespero é uma semente miudinha. Dessas que passam despercebidas. Dessas que crescem num segundo e são como baobás em um pequeno asteróide. Dessas que destroem a vida inteira antes que se aqueça o rosto. E eu caí. Ainda não encontrei nenhum pote de geléia de laranja pelo caminho. Agora, depois de alguns dias de queda, tenho quase certeza de que não estou indo ao País das Maravilhas. Guardo o “quase” para não ter tanto azul nessa tela.

Desejava simplesmente que ela permanecesse quieta. Queria terminar a tela e isso já ocupara demais o pouco tempo que tinha. Havia muito a ser feito, haveria sempre algo muito importante e inadiável a ser feito. Não custava nada esperar um pouco. Estava cansado de incompreensão e cobranças. Era imperdoável. Não precisava disso. Virou as costas e pronto. Já não eram necessárias tantas palavras assim.

Subiu até o degrau mais alto. Percebeu um hífen que não dera importância antes. Gostou dele. Olhou para baixo, mas a escada era muito alta. Tão alta que já não via mais a moça da tela. Já não lembrava porque a escolhera nem porque ainda carregava aquela figura emoldurada; parecia que estava presa. E assim considerou ser. E por ser livre soltou a moça. Ficou vendo a queda sem lembrar mais de nada. Não, não precisava de peso algum. A escada era alta e finalmente ele tinha o mundo todo nas mãos. Pelo menos um pequeno mundo sem verbo que ele, sem querer, já nem tinha mais. Caiu junto com a última pincelada de azul, quando ela deixou o “quase”.
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Vocês trazem alegria para esta casa.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

De mão no queixo e tanta espera

E tudo se resume em nós. Os nós dos dedos e o desatar de antigas amarras. É setembro indo embora. Os ipês dançam e vestem as calçadas de amarelo ou roxo. Quase nunca branco. Nem flor de ipê nem nuvem. O céu dói de tão azul. É quase cinza. Como quase tudo na vida. É quase amor e quase saudade. A Roda. E eu sentada na varanda arrematando os nós do meu bordado.


Você trazem alegria para esta casa.