segunda-feira, 13 de outubro de 2014

5548 aproximadamente

Sentar no chão e visitar quem eu fui em papel empoeirado. Buscar arquivos antigos na rede mundial de computadores. Saber, lembrar, tomar a plena consciência.

Eu sou as cartas não enviadas, sou as lágrimas que esqueço com mais facilidade do que deveria. Sou as flores desfeitas em cadernos antigos. Sou tanto amor que gosto de fingir que não é nada. Não é comigo. Não sou eu que sinto tanto. Que quero tanto. Morro tanto. E morro mesmo! Desses morros altos de vista linda. Com direito a casinha branca sem cerca lá no alto. Com vento bom, com orvalho de manhã. Morro com bouganville, flamboyant e ipê no jardim. Manga, caju e goiaba vermelha no quintal.  Jasmim-laranjeira em cada janela. Morro em mim todos os dias na esperança de nascer outra. Melhor, maior, mais firme e corajosa. Morro querendo ser carvalho, baobá ou salgueiro. Sou bambu toda manhã mais uma vez. Seria melhor cair e quebrar logo. Seria melhor viver mil anos ou mais. Seria melhor ter histórias pra contar. Eu não.

Resiliente. Madeira. Nunca diamante. Sob pressão prefiro ser grafite. Prefiro registrar o mundo via olhos e mãos. Não nasci para ficar presa e brilhar. Não fui lapidada em 58 faces. Sou crua. Drusa. Habito espaços escuros no sertão. Brilho sem auxílio, sem máquinas, artifícios e artífices. Turmalina.

Ainda quero tatuar o endereço da Terra do Nunca. Ainda tenho a mesma trilha sonora para a vida toda. Ainda sou eu. A mesma. Velha desde sempre. Pra sempre. Algodão, seda e cheiro de chuva. Cabelo de jardim. Unhas roídas e pés redondos. Bailarina do tempo. Rainha de mim.

Grilhões de nuvem me prendem ao inexistente. A matéria é ilusão. O que eu não vivi enche páginas perdidas. A minha espera é ausência de relógio. O tempo não se faz presente. Nem em meu presente, nem em nenhuma outra conjugação. Quem disse que fatos são necessários para lembranças? Eu me lembro perfeitamente de cada grão de areia que não caiu na minha ampulheta vazia. Eu nunca estive “lá” pra contar a história. Eu continuo aqui. Espectadora de um protagonismo que eu não tenho. Fazendo figuração nas histórias que eu queria que fossem minhas. Escrevo roteiros para improvisadores fugirem dele. Dirijo cenas que o editor muda sem meu consentimento. Pelo menos o argumento, o título e o ponto final são meus.





Vocês trazem alegria para esta casa.