Não gosto de espelhos, nunca gostei. Sou míope e não me vejo
sem óculos. Não acredito que aquela imagem ali sou eu. Quem garante? Acho que
li Alice mais do que deveria. Espero que a imagem faça comigo como a sombra de
Peter fez com ele. Sinto-me vampira. Invisível. Irreflexível. Não aceito a obrigação de ter como chefe, superior,
carcereiro essa imagem que me desafia e aponta todos os defeitos que as
revistas, a tv, as redes sociais e até a galera do corredor do supermercado dizem
que eu tenho. Toda essa ladainha de: “o espelho é seu amigo”, “se não gosta da
sua imagem, mude”. Cansei! O espelho não é amigo de ninguém, a gente busca
nosso reflexo pra dar satisfação ao outro! Pra estar apresentável, pra ser mais
uma pecinha nesse mundo que quer te ver feliz (porque gente triste é chato), mas
não tão feliz ao ponto de se libertar dos grilhões do espelho. Ser livre é ser
dissidente. É perigoso (pros outros). Já pensou ser livre o suficiente pra
dizer: “Cansei de beliscar minha cara, não faço mais a sobrancelha!”. Ah! Essa é
fácil... Todo mundo vai dizer: “Tudo bem, faz a Malu Mader em Top Model e se
joga na mega sobrancelha”. Beleza, e se a gente for livre pra dizer: “Cansei de
pelo encravado na virilha, não faço mais a linha do biquíni!”. Ah! Aí pode se
preparar pra apontarem a Monga na praia. Você também pode achar tudo isso extemporâneo,
tendo em vista a quantidade de pessoas mais capacitadas e com textos mais
políticos que este debatendo o assunto. Mas não é sobre a atualíssima guerra
dos pelos esse texto. É só sobre a minha incredulidade em aceitar que ali,
refletida, sou eu. Não gosto que as pessoas olhem pra mim, por isso sempre usei
cores fortes. Ora, parece um contrassenso, é pura coerência. Com uma camisa
amarela ou um vestido hipercolorido brigando desesperadamente com meu cabelo
rosa, tenho certeza que olham pra imagem que eu projeto e não pra mim, entende?
Ninguém vai observar se eu estou cansada, doente, se perdi um braço ou uma
perna com uma imagem tão diferente do que eu sou. Eu não estou ali naquela
superfície reflexiva. Não sou a minha imagem e semelhança. Sou além. Metamorfa.
Disforme. Líquida. Escorrendo e correndo por um mundo que também não pode ser
refletido. Um mundo que não permite fotografias. Não é possível escolher o
ângulo certo pra publicar aquela foto especial que reflete tão bem o que todo
mundo é, quer ser, quer dizer. Eu não. Eu não me enquadro. Não tenho bordas. Pior
limites. Sou cheiro e não imagem. Lembrança embaçada. Daquelas que a gente muda
o quanto quer e sempre parece mais real. Sou qualquer coisa, mas me recuso
terminantemente a estar presa nessa imagem que, tenho certeza, não sou eu.
Vocês trazem alegria para esta casa. Sempre.