sábado, 25 de julho de 2009

Lola - Chico Buarque/1987

Ah, se ele soubesse... Ela altera a realidade num estalar de dedos. Embrulha dor e riso no mesmo presente. Faz da novidade, reconhecimento. Se ele soubesse que ela rega a saudade com o cheiro que ele deixa. Que ela abre a porta e o coração com aquele estalo metálico da última volta da chave, quando ouve seus passos na escada. Que ela diz “Bom dia” querendo dizer “Me beija”. Se ele soubesse que ela encara o telefone intimando-o a tocar. Se soubesse dos suspiros e do desejo. Da ânsia e da tempestade. Se soubesse que ela calça 36 e que já fez coleção de meias chegaria à óbvia conclusão que hoje ela coleciona fivelas de cabelo. Mas ele não sabe. Nem dos girassóis nem de Almodóvar. Tampouco de Ludwig ou Bouguereau. Não há tempo para essas imensas minúcias. E ainda bem, ainda bem que ele não sabe. Nem ela sabe. De nada sobre ele. Assim é melhor, ela mantém seu carneiro na caixa e resolve as dissonâncias do mundo.

Vocês trazem alegria para esta casa.

domingo, 19 de julho de 2009

Alegria para esta casa

Agora já vai longe. Um vulto sem cor distorcido pela minha vista embaçada. Naquele dia acordou com uma Certeza criancinha lhe puxando o lençol. Era uma Certezinha miúda e determinada. Buscava confronto e, sempre que os olhares se cruzavam era vitória certa da criaturinha que faiscava convicção. Ela não conhecia o medo ou a dúvida. Nunca dera um passo em falso. E a pequena Certeza cresceu vertiginosamente ao longo do dia. Deixou de segurar a barra do vestido da moça e, por volta das cinco da tarde, a Certeza já era imensa. Tornara-se aconchegante, protetora e frondosa. Uma Certeza absoluta. Dessas que nem os filósofos mais cheios de perguntas ousariam enfrentar. Era grave, silenciosa e latente. A Certeza ajudou-a a arrumar tudo. Fez as malas. Separou as lembranças, decidiu não levar muitas destas, eram pesadas demais. Escolheu duas. Envolveu-as em suas roupas mais finas. Eram lembranças quebradiças e difíceis de pôr em uma mala de mão. Mas a Certeza deu um jeitinho e ainda arrumou espaço para três pequenos suspiros que ela não queria deixar. Depois de tudo pronto demorou quarenta minutos escolhendo o vestido e trançando os cabelos. Quando ela buscou apoio em si mesma, diante do espelho, viu uma mulher encantadoramente perdida e acreditou que não precisaria mais puxar grilhões nem esperar . E assim o fez. Saiu com um vestido amarelo e casou-se com o sol daquela terra quente. Deixou quase tudo que pesava: uma esperança enorme, natimorta; um lindo par de sapatos que lhe machucava os pés e uma infinidade de pequenos anseios de chumbo. Estes últimos eram impossíveis de levantar do chão. Não sei aonde ela vai. Nem como serão seus dias do lado de fora desse portão. Sei que por dois quarteirões era a Certeza quem guiava a moça. Daí até desaparecerem misturadas nas cores do poente era a moça que guiava a Certeza.

Vocês trazem alegria para esta casa.

terça-feira, 14 de julho de 2009

segunda estrela à direita

Ela fica sentada naquela cadeira de balanço na varanda cantando baixinho com o vento que anuncia a chuva. Nas mãos páginas em branco contam da saudade de uma tarde perdida. Quando ela encontrou o amor em uma coleção de revistas velhas. Agora ela trança o cabelo misturando os nós dos dedos com fitas de um amor novo. Mal chegou e foi-se na fumaça que fazia enquanto eles olhavam o céu. Por muito tempo julgou estar perdida, mas hoje, quando o sol se punha e inundava o mundo de luz, ela soube. Em uma fração de segundo, o tempo fez sentido e ela reconheceu seu propósito. Ela é o amor. A nascente. Por isso, nesse instante, o riso contido não espera o carnaval e nela, no canto esquerdo da boca, finalmente, vê-se o beijo escondido há tanto tempo.
Vocês trazem alegria para esta casa.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

sobre a perfeição

“...
Recordo um amor que perdi

Ele ri
Diz que somos iguais
Se eu notei
Pois não sabe ficar
E eu também não sei

E gira em volta de mim
Sussurra que apaga os caminhos
Que amores terminam no escuro
Sozinhos

Respondo que ele aprisiona
Eu liberto
Que ele adormece as paixões
Eu desperto

E o tempo se rói
Com inveja de mim
Me vigia querendo aprender
Como eu morro de amor
Prá tentar reviver
...”

Resposta ao Tempo
Composição: Aldir Blanc/Cristovão Bastos


Sem mais para o momento vou lutar contra aquele moinho de estupidez que resiste bravamente as minhas investidas de saudade e paciência.

Vocês trazem alegria para esta casa.